Chovia muito... de tal maneira que por vezes não conseguia ver as árvores bradando clemência ao seu Criador pela chuva. O vento fustigava-as ainda mais. Sinto uma lágrima a correr pela minha cara... talvez um desejo... saudade... algo que começava a consumir a minha pobre, dolorida e penosa alma. Encosto-me à parede. Preciso de... apoio... um apoio... algo que não me deixe cair num Mar de tristeza que se começava a formar ao meu redor... tudo... todos... ninguém.
Olho as horas. Prontifico o meu cérebro a preparar-se para ordenar movimentos, talvez mesmo um pouco de acção, de modo a tentar sair da tristeza que me invade o coração...
Visto-me. Preparo-me para sair do meu mundo e entrar no mundo daqueles que me rodeiam, daqueles que parecendo normais, tentam ajudar, mas que só me empurram mais para as tristezas, e para as lembranças.
Sento-me no meu café favorito. Apolo. Sento-me igualmente na minha mesa do café favorita. Olho as horas... os meus companheiros devem de estar quase a chegar, penso, enquanto engulo um pouco do meu café. Pontualmente lá estavam.
Tema da conversa do dia: o passado. Não estava totalmente à vontade para falar nesse assunto. Tentava abordar o assunto, mas de uma forma mais simples, e de modo a não lembrar certas coisas... coisas essas que começavam a aparecer na minha mente...
A batalha era gigantesca! O esforço para não pensar nesses assuntos era tão grande que praticamente deixei de me relacionar na conversa do dia. Os meus companheiros, estavam de tal modo surpreendidos que a dada altura foram-se calando, um a um, e sustiveram o seu olhar crítico e penetrante contra mim. Estava a sentir-me perfurado..., observado, mas já não tinha forças para me resignar contra eles... desisti. Enfurecido balbuciei algumas atrocidades para eles de modo a fingir que estava normal. Mas não estava. A memória tinha sido invadida...
... Verão. Felicidade. Amor. Carinhos, beijos, saudade, praia, Sol, riso... eram estas as lembranças que me feriam o coração.
Finalmente Verão! Finalmente chegaram, altissonantes, as férias! Estava desejoso, pois ia para uma das minhas ilhas favoritas: Madeira.
Após uma viagem descansada, mas cansativa pela burocracia e pela espera, chego ao Aeroporto de Santa Catarina. Já é tarde. Depois de recolher as minhas malas, verifico se tenho alguém à minha espera. Tinha! Abílio, velho amigo, que quase não me reconhecia. É gratificante verificar que o tempo em algumas pessoas não tem efeito nem deixa marcas. O Abílio, é uma dessas pessoas.
Em amena cavaqueira vamos suavemente para o Funchal, mais precisamente para a Rua 31 de Janeiro, zona dos apartamentos das embaixadas. Eu iria ficar no apartamento da embaixada Brasileira. Um apartamento enorme: 2 salas, 6 quartos, 2 escritórios, 2 cozinhas, 2 casas – de – banho, e muitas varandas com vista para o mar, para a rua, para a praça, para o monte que volumoso se ergue na frente dos meus olhos.
Assim que entro pouso as malas e, ao mesmo tempo, convido Abílio a entrar e beber qualquer coisa.
“Não, deixa estar. Agora precisas é de te instalar e de descansar um pouco. Mais logo venho buscar-te para irmos jantar e dar umas voltas na baixa.”
“Está bem. A que horas passas aí?”
“Por volta das oito está bem para ti?”
“Está óptimo.”
“Porreiro, então estamos combinados. Até logo.”
“Tchau. Até logo."
Depois de fechar a porta encostei-me à parede. Estava mesmo cansado. Nos últimos meses tinha-me esfalfado a trabalhar. Como enviado especial mal tinha tempo para respirar, muito menos em Timor. De qualquer modo, agora o mais importante era descansar muito, descontrair e divertir-me ainda mais. Mas primeiro que tudo tinha de arrumar as malas para então poder tomar um longo e saboroso banho de imersão.
Às oito horas em ponto Abílio tocou. Desci imediatamente.
“Então, onde vamos?”
“É surpresa!”
“Surpresa? Não me digas que me vais levar à Camacha?”
“Não, vamos a um restaurante novo que abriu ali no cais.”
“Não acredito. Não me digas que me vais levar àqueles barcos caríssimos? Aviso-te que não fico a lavar a loiça.”
“Qual quê! Este é muito em conta e vais ver que vais gostar. Agora a propósito, convidei uns amigos para lá irem ter connosco. Espero que não te importes.”
“Claro que não, desde que não sejam cheios de mania!”
“Nada disso. É tudo malta porreira.”
Mais uns minutos e acabámos por lá chegar. Realmente agora acreditava que Abílio tivesse razão. Aquele barco, ao contrário dos outros, tinha um ar bastante modesto e acolhedor. Uma pessoa sentia-se em casa assim que entrava. A decoração era simples mas de bom gosto, quase que fazia lembrar uma tasquinha. Via-se que era administrado por uma família ou por um grupo de amigos. A toda a volta, descorando as paredes, havia retratos recentes e antigos, juntamente com muitas relíquias relacionadas com o mar. As cadeiras e as mesas eram de madeira e o seu design era muito antiquado. Estas estavam cobertas com umas toalhas aos quadradinhos vermelhos e brancos e, aquelas tinham umas almofadinhas a condizer. Em cima de cada mesa estava uma vela, um pires de barro com azeitonas e outro com queijo. A completar o quadro havia uma cestinha em vime com pão da região. Adorei aquele sítio assim que passei a porta e sempre o hei-de recordar com um misto de saudade e de mágoa, por tudo o que lá se passou. O empregado, assim que nos viu entrar, veio logo receber-nos, sempre muito simpático e atencioso. Abílio afinal tinha reservado mesa… para dez pessoas! Como os outros ainda não tinham chegado fomo-nos sentando, e aproveitámos para bebericar um aperitivo.
“Que tal? O que é que achaste?”
“É pá, este sítio é um espanto. Juro-te que não estava nada à espera.”
“Eu bem te disse que ias gostar.”
“Mas ouve lá, que história é essa de teres reservado uma mesa para dez pessoas? Estás cansado de saber que não gosto nada de grandes confusões!”
“Não te preocupes. Este é o grupo de pessoal com quem costumo sair.”
“Hum, não sei se me convences.”
Entretanto, estava eu embalado para lhe continuar a ralhar as minhas dúvidas, fui interrompido por um grupo de malta que entrou. Eram os amigos do Abílio. De entre eles houve alguém que me chamou imediatamente a atenção.
Silenciosos mas bons...
Aquela cadela virada para o mar